junho 21, 2012

Dadaísmo,


Breve ensaio acerca do conceito e conflitos do movimento.

(Atividade elaborada para fins de avaliação parcial da disciplina História da Arte Moderna do curso de Direção de Arte da Universidade Federal de Goiás, sob orientação do Professor Peterson Pessoa.)


"Dadá é um estado de espírito" André Breton 

DADÁ, O ANTÍDOTO

Quaisquer fatores - sejam eles estilísticos ou históricos - , busquemos para justificar Dadá, será um pretexto.
Este movimento assumi tamanha postura contraditória que o leque majoritário de historiadores, acomodados ao estereotipado determinismo que assola a história das artes, não souberam (ou não saibam) transcrever a ''sinestesia anestésica'' do momento Dadá. Alguns ainda insistem em dizer que a ausência de sentido, na qual os dadaístas se pautam, indica que indica que se tratou ''estado transitório'' para as artes, o que não deixa de ser verdade. Dadá foi a adolescência da arte, pautada de forma deliberada num contra-senso e sem nenhuma dificuldade em assumi-lo, dadá se propõe não só a sugerir questionamentos ou expor contradições, é um movimento explicito de negação, que não hesita em se autoanular intitulando-se absolutamente antiartístico.

Informamos claramente que se trata de uma exposição Dadá. Nunca foi afirmado que o dadá tivesse qualquer coisa a ver com arte. Se o público confunde as duas coisa, então a culpa não é nossa” Max Ernst, quando questionado sobre o conteúdo do acervo dadaísta

Esta ''crise de identidade'' que os dadaísta fomentam atinge tampouco somente a forma como se fazia, mas o próprio valor da arte é questionado e somado a total desestruturação cultural trazida pela guerra.
Neste contexto, Dadá não tem nada a nos dizer, sacia-se com a mera provocação, trazendo total desordem identitária e forçando constantemente uma revisão de conceitos. Negando-se enquanto arte, o movimento se reduz a mera situação, a uma ação desnecessária e gratuita, regida unicamente pelo acaso. Desagregando valores, sem no entanto sugerir-nos novos caminhos. E é esta autoanulação que torna o movimento potencialmente desmistificador em relação a valores e posturas preestabelecidos, tornando-se assim um marco libertador para a história das artes. Dadá expulsa-nos do conforto de nossos lares e nos põe a deriva, náufragos na própria realidade. Mas, como toda adolescência precisa ser superada, o movimento dadaísta gozou de vida curta e embora jamais tenha se ocupado em ''eternizar-se'' enquanto movimento artístico (muito pelo contrário) o imaginário dadaísta foi o grande responsável pelo sincretismo artístico que aterroriza (e liberta) a arte pós-moderna. O questionamento agressivo, que os artista fomentadores trazem à tona, foi o grande estopim para a desmistificação da arte, com a qual todo o período moderno se ocupa.

O dadaísta luta contra os estertores e delírios morais de seu tempo.. Sabe que esse mundo de sistemas foi despedaçado, e que a era que exigia pagamento a vista acabou organizando uma liquidação de filosofias sem deuses” Hugo Ball


COMO OS DADAÍSTAS, COM O PERDÃO DA PALAVRA, FAZIAM ARTE

Com o frêmito de romper quaisquer heranças técnicas, evitavam a pintura a óleo pois acreditavam-na indissociável do tradicionalismo, e nas palavras de Arp, vinculada a exaltação que o homem fazia de si mesmo. As colagens eram frequentemente preferidas, desde que aliadas a métodos nonsenses aonde era imprescindível que o acaso tivesse maior notoriedade autoral que o próprio artista. Imagens (e/ou palavras) avulsas eram dispostas das formas mais imprevisíveis possíveis. “O poema será parecido com você'' alegava Tzara, ao ensinar jovens artistas a fazer poesia dadaísta (recorde um apanhado de frases e palavras avulsas de um jornal, reúna-as de forma absolutamente desorganizada e depois retire-as ao acaso), alegando que a pessoalidade vai além de formas consciente de se fazer arte.
Muitos sarais e recitais de poesia foram organizados, várias poemas em diversas línguas eram recitados simultaneamente, gerando uma atmosfera perturbadora de impossível compreensão lógica. Entre os poetas mais performáticos estava Hugo Ball, que usando de figurinos e artifícios cênicos declamavas poesias inteiras que mais pareciam onomatopeias infantis. Aplaudido e aclamado pelo público, Hugo foi um dos fundadores e autor de diversas obras, incluindo manifestos, dadaístas, mas acabou por abandonar o grupo. E o fez de forma consciente, repeitando a ideologia caótica e proposital ausência de sentido, alegando que após tê-lo autoexaminado cuidadosamente concluiu que ''jamais poderia dar boas-vindas ao caos''.
Com intenção explicita de desvalorizar a obra de arte em quaisquer instâncias, os dadaístas focavam-se na efemeridade do momento, assim aconteciam as primeiras performances, happenings e instalações.
A utilização de objetos cotidianos, avulsos a arte, tornava essa banalização pretendida pelos dadaístas, ainda mais agressiva e provocativa. Duchamp é seus ready-mades tornaram-se ícones da cultura dadaísta, assumindo um postura perturbadora, com clara intenção crítica. Agregando valores artísticos (assumindo assim uma série de outros valores) a objetos especialmente banalizados, - como exemplo, seu aclamado mictório -. Os ready-mades representam os pars costruens. E fazendo jus a essência contraditória do movimento, por outro lado temos os pars destruens, onde os artistas se ocupavam em desagregar valores ''misticos'' de obras, digamos, ''consagradas'', como a notória situação em que, novamente, Ducham sobrepõe bigodes desenhados de forma deliberadamente grotesca na Monalisa de Leonardo. E importante ressaltar que esse tipo de intervenção não tem a primícia de desfigurar a obra, mas apenas de desmistifica-la no inconsciente coletivo.

Essa onda de negação ao espírito preponderantemente artístico, se organiza em Zurique, em meados de 1916, quando homens cansado do formalismo estrutural que a arte adquire , decidem então nega-la. Dentre eles estão Tzara, os escritores alemães H. Ball e R. Huelsenbeck e o pintor escultor H. Arp. Inaugura-se então o Cabaré Voltaire, que abriga as primeiras manifestações dadaístas na Europa, o espaço torna-se palco das mais variadas efervescências artísticas e discussões temáticas. Sobre este momento escreveu Ball em seu diário:

“O lugar estava superlotado; muitos não conseguiam entrar. Por volta das seis da tarde, quando ainda estávamos atarefados, martelando e pendurando cartazes futuristas, apareceu-nos uma representação de quatro homenzinhos de aspecto oriental, carregando telas e portfólios debaixo do braço e fazendo polidas mesuras repedidas rezes.
Apresentaram-se: Marcel Janco, o pintor, Tristan Tzara, Georges Janco e um quarto cujo o nome não entendi. Arp também estava presente, e chegamos a um entendimento sem necessidade de muitas palavras...”

Nova York também acompanha de perto o movimento, em 1915 mudam-se para a cidade os artistas franceses Duchamp e Picabia, trazendo com eles todos os seus questionamentos iconoclastas. O fotografo Man Ray logo simpatiza e se associa ao movimento. Juntos deram origem a revista 291, com claras referencias ao pensamento que mais tarde virá a ser chamado de dadaísta.


HERANÇA DADÁ, OU REGEIÇÃO AO PLÁGIO

Eu não acredito que seja sustentável a ideia de que o pensamento dadaísta ainda ecoe em algum lugar, uma vez que os movimentos artísticos nada mais são que reflexos de contextos, espelhados pelos artistas que se propõe dentro de sua época. Fale-se muito em pós dadá ou neodadaísmo, e é claro que a ruptura dadá marcou de forma agressiva qualquer perspectiva de arte moderna-contemporânea, mas o que temos hoje não é genuíno e metodicamente caótico tal qual exigiam os primeiros dadaísta. O que fizemos foi ''domesticar'' a irreverência Dadá e lentamente contamina-la de carência e religiosidade.
Romantizou-se o pensamento dadaísta. Assassinaram-lhe no momento em que desejaram vê-lo e adora-lo dentro de museus e galerias. O espirito dadaísta é desordeiro, e partiu no momento em que a implacável necessidade humana de sistematização decide dar nome aos bois. Restou-nos o Neodadá.

Esse neodadá que agora se chama neo-realismo pop-art, assemblage, etc.., é um divertimento barato e vive daquilo que Dadá realizou. Quando descobri os ready-mades, tinha a intenção de desmotivar a algazarra estética. Mas no neodadá usaram os ready-mades para lhe descobrir um 'valor estético'! Joguei-lhes o secador de garrafas e o urinol no rosto, como um desafio, e agora eles o admiram, atribuindo-lhes uma beleza estética.” Duchamp


Bibliografia
Argan, G. C.. Arte Moderna. São Paulo: COMPANIA DAS LETRAS, 1992.
Stangos, N.. Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 2001.
Farthing, S; Cork, R.. Tudo Sobre Arte. Rio de Janeiro: SEXTANTE, 2010.
Richter, H.. Dada - Arte e Antiarte. São Paulo: MARTINS FONTES, 1993.