Breve ensaio acerca do conceito e conflitos do movimento.
(Atividade elaborada para fins de avaliação parcial da disciplina História da Arte Moderna do curso de Direção de Arte da Universidade Federal de Goiás, sob orientação do Professor Peterson Pessoa.)
"Dadá é um estado de espírito" André Breton
DADÁ, O
ANTÍDOTO
Quaisquer
fatores - sejam eles estilísticos ou históricos - , busquemos para
justificar Dadá, será um pretexto.
Este movimento
assumi tamanha postura contraditória que o leque majoritário de
historiadores, acomodados ao estereotipado determinismo que assola a
história das artes, não souberam (ou não saibam) transcrever a
''sinestesia anestésica'' do momento Dadá. Alguns ainda insistem em
dizer que a ausência de sentido, na qual os dadaístas se pautam,
indica que indica que se tratou ''estado transitório'' para
as artes, o que não deixa de ser verdade. Dadá foi a adolescência
da arte, pautada de forma deliberada num contra-senso e sem nenhuma
dificuldade em assumi-lo, dadá se propõe não só a sugerir
questionamentos ou expor contradições, é um movimento explicito de
negação, que não hesita em se autoanular intitulando-se
absolutamente antiartístico.
“Informamos
claramente que se trata de uma exposição Dadá. Nunca foi afirmado
que o dadá tivesse qualquer coisa a ver com arte. Se o público
confunde as duas coisa, então a culpa não é nossa” Max
Ernst, quando questionado sobre o conteúdo do acervo dadaísta
Esta ''crise de
identidade'' que os dadaísta fomentam atinge tampouco somente a
forma como se fazia, mas o próprio valor da arte é questionado e somado a total desestruturação cultural trazida pela
guerra.
Neste contexto, Dadá não tem nada a nos dizer, sacia-se com a mera provocação,
trazendo total desordem identitária e forçando constantemente uma
revisão de conceitos. Negando-se enquanto arte, o movimento se reduz
a mera situação, a uma ação desnecessária e gratuita, regida
unicamente pelo acaso. Desagregando valores, sem no entanto
sugerir-nos novos caminhos. E é esta autoanulação que torna o
movimento potencialmente desmistificador em relação a valores e
posturas preestabelecidos, tornando-se assim um marco libertador para a história das artes. Dadá expulsa-nos do conforto de nossos
lares e nos põe a deriva, náufragos na própria realidade. Mas,
como toda adolescência precisa ser superada, o movimento dadaísta
gozou de vida curta e embora jamais tenha se ocupado em
''eternizar-se'' enquanto movimento artístico (muito pelo contrário)
o imaginário dadaísta foi o grande responsável pelo sincretismo
artístico que aterroriza (e liberta) a arte pós-moderna. O
questionamento agressivo, que os artista fomentadores trazem à tona,
foi o grande estopim para a desmistificação da arte, com a qual
todo o período moderno se ocupa.
“O dadaísta
luta contra os estertores e delírios morais de seu tempo.. Sabe que
esse mundo de sistemas foi despedaçado, e que a era que exigia
pagamento a vista acabou organizando uma liquidação de filosofias
sem deuses” Hugo Ball
COMO OS
DADAÍSTAS, COM O PERDÃO DA PALAVRA, FAZIAM ARTE
Com o frêmito
de romper quaisquer heranças técnicas, evitavam a pintura a óleo
pois acreditavam-na indissociável do tradicionalismo, e nas palavras
de Arp, vinculada a exaltação que o homem fazia de si mesmo. As
colagens eram frequentemente preferidas, desde que aliadas a métodos
nonsenses aonde era imprescindível que o acaso tivesse maior
notoriedade autoral que o próprio artista. Imagens (e/ou palavras)
avulsas eram dispostas das formas mais imprevisíveis possíveis. “O
poema será parecido com você'' alegava Tzara, ao ensinar jovens
artistas a fazer poesia dadaísta (recorde um apanhado de frases e
palavras avulsas de um jornal, reúna-as de forma absolutamente
desorganizada e depois retire-as ao acaso), alegando que a
pessoalidade vai além de formas consciente de se fazer arte.
Muitos sarais e
recitais de poesia foram organizados, várias poemas em diversas
línguas eram recitados simultaneamente, gerando uma atmosfera
perturbadora de impossível compreensão lógica. Entre os poetas
mais performáticos estava Hugo Ball, que usando de figurinos e
artifícios cênicos declamavas poesias inteiras que mais pareciam
onomatopeias infantis. Aplaudido e aclamado pelo público, Hugo foi
um dos fundadores e autor de diversas obras, incluindo manifestos,
dadaístas, mas acabou por abandonar o grupo. E o fez de forma
consciente, repeitando a ideologia caótica e proposital ausência de
sentido, alegando que após tê-lo autoexaminado cuidadosamente
concluiu que ''jamais poderia dar boas-vindas ao caos''.
Com intenção
explicita de desvalorizar a obra de arte em quaisquer instâncias, os
dadaístas focavam-se na efemeridade do momento, assim aconteciam as
primeiras performances, happenings e instalações.
A utilização
de objetos cotidianos, avulsos a arte, tornava essa banalização
pretendida pelos dadaístas, ainda mais agressiva e provocativa.
Duchamp é seus ready-mades
tornaram-se ícones da cultura dadaísta, assumindo um postura
perturbadora, com clara intenção crítica. Agregando valores
artísticos (assumindo assim uma série de outros valores) a objetos
especialmente banalizados, - como exemplo, seu aclamado mictório -.
Os ready-mades representam os pars costruens. E fazendo jus a
essência contraditória do movimento, por outro lado temos os pars
destruens, onde os artistas se ocupavam em desagregar valores
''misticos'' de obras, digamos, ''consagradas'', como a notória
situação em que, novamente, Ducham sobrepõe bigodes desenhados de
forma deliberadamente grotesca na Monalisa de Leonardo. E importante
ressaltar que esse tipo de intervenção não tem a primícia de
desfigurar a obra, mas apenas de desmistifica-la no inconsciente
coletivo.
Essa onda de
negação ao espírito preponderantemente artístico, se organiza em
Zurique, em meados de 1916, quando homens cansado do formalismo
estrutural que a arte adquire , decidem então nega-la. Dentre eles
estão Tzara, os escritores alemães H. Ball e R. Huelsenbeck e o
pintor escultor H. Arp. Inaugura-se então o Cabaré Voltaire, que
abriga as primeiras manifestações dadaístas na Europa, o espaço
torna-se palco das mais variadas efervescências artísticas e
discussões temáticas. Sobre este momento escreveu Ball em seu
diário:
“O lugar
estava superlotado; muitos não conseguiam entrar. Por volta das seis
da tarde, quando ainda estávamos atarefados, martelando e pendurando
cartazes futuristas, apareceu-nos uma representação de quatro
homenzinhos de aspecto oriental, carregando telas e portfólios
debaixo do braço e fazendo polidas mesuras repedidas rezes.
Apresentaram-se:
Marcel Janco, o pintor, Tristan Tzara, Georges Janco e um quarto
cujo o nome não entendi. Arp também estava presente, e chegamos a
um entendimento sem necessidade de muitas palavras...”
Nova York
também acompanha de perto o movimento, em 1915 mudam-se para a
cidade os artistas franceses Duchamp e Picabia, trazendo com eles
todos os seus questionamentos iconoclastas. O fotografo Man Ray logo
simpatiza e se associa ao movimento. Juntos deram origem a revista
291, com claras referencias ao pensamento que mais tarde virá a ser
chamado de dadaísta.
HERANÇA DADÁ,
OU REGEIÇÃO AO PLÁGIO
Eu não
acredito que seja sustentável a ideia de que o pensamento dadaísta
ainda ecoe em algum lugar, uma vez que os movimentos artísticos nada
mais são que reflexos de contextos, espelhados pelos artistas que se
propõe dentro de sua época. Fale-se muito em pós dadá ou
neodadaísmo, e é claro que a ruptura dadá marcou de forma
agressiva qualquer perspectiva de arte moderna-contemporânea, mas o
que temos hoje não é genuíno e metodicamente caótico tal qual
exigiam os primeiros dadaísta. O que fizemos foi ''domesticar'' a irreverência Dadá e lentamente contamina-la de carência e religiosidade.
Romantizou-se o
pensamento dadaísta. Assassinaram-lhe no momento em que desejaram
vê-lo e adora-lo dentro de museus e galerias. O espirito dadaísta é
desordeiro, e partiu no momento em que a implacável necessidade
humana de sistematização decide dar nome aos bois. Restou-nos o
Neodadá.
“Esse
neodadá que agora se chama neo-realismo pop-art, assemblage, etc..,
é um divertimento barato e vive daquilo que Dadá realizou. Quando
descobri os ready-mades, tinha a intenção de desmotivar a algazarra
estética. Mas no neodadá usaram os ready-mades para lhe descobrir
um 'valor estético'! Joguei-lhes o secador de garrafas e o urinol no
rosto, como um desafio, e agora eles o admiram, atribuindo-lhes uma
beleza estética.” Duchamp
Bibliografia
Argan, G. C.. Arte Moderna. São Paulo: COMPANIA DAS LETRAS, 1992.
Stangos, N.. Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 2001.
Farthing, S; Cork, R.. Tudo Sobre Arte. Rio de Janeiro: SEXTANTE, 2010.
Richter, H.. Dada - Arte e Antiarte. São Paulo: MARTINS FONTES, 1993.
Bibliografia
Argan, G. C.. Arte Moderna. São Paulo: COMPANIA DAS LETRAS, 1992.
Stangos, N.. Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 2001.
Farthing, S; Cork, R.. Tudo Sobre Arte. Rio de Janeiro: SEXTANTE, 2010.
Richter, H.. Dada - Arte e Antiarte. São Paulo: MARTINS FONTES, 1993.